ALICE NO PAÍS DOS BORDÉIS, Ousadia e Criatividade de Roger Mor.

Há alturas da vida em que temos que ousar e libertar toda a veia criativa que há em nós. Esse momento chegou para Roger Mor, o autor de “Alice no País dos Bordéis”, um monólogo onde se sentiu à vontade para mostrar, ousar, e libertar toda a sua criatividade, trazendo o que há de mais imprevisível no mundo de Alice. A peça de 25 minutos leva-nos até aos anos 60, mais precisamente à altura em que António Salazar emitiu a ordem de proibição da prostituição e mandou fechar os bordéis.

É uma pequena abordagem a um mundo renegado ao obscurantismo que trás ao de cima a face mais oculta e complexa das meretrizes…inspirada na vida e histórias de muitas mulheres matriculadas que encheram de prazer, sobretudo, os marinheiros que desembarcavam no Cais de Sodré, transformando a Pensão do Amor num aconchego dos prazeres.

O ACONCHEGO E OS SEGREDOS DE MADAME ALICE

Num cenário de Bordel ostentando objetos da época, armários, cadeiras, candeeiros, espelhos e o típico bochiché ocupam o seu devido lugar, lembrando um Bordel dos anos 60. Os “Botõezinhos”, ou seja, o público, deambula entre dois espaços contíguos que compõem a casa de passe da Madame Alice, reproduzindo o que seriam os aposentos da “meretriz mor” – os aposentos da Madame & a Sala Secreta. É neste espaço que aguça a curiosidade de todos que também nos entregamos a “desmontar” deliciosas iguarias, acordando o espírito aventureiro e despertando o paladar!

Desfrutamos destes cenários inebriantes, que nos remetem ao passado. Com um pouco de imaginação ainda se escutam as vozes dos marinheiros sedentos e as gargalhadas de satisfação, misturadas com álcool e embriagadas pela luxúria.

Foi com alguma curiosidade que desembarcamos na Pensão do Amor para respirar os ares que antes encheram as vidas de “Alice e seus Botõezinhos” e onde Roger Mor misturou, com criatividade, realidade e ficção, tornando-se difícil dizer onde começa uma e termina a outra.

É neste cenário de prostíbulo que Alice a Dona de Bordel, se sentiu rainha, uma verdadeira Madame, ao revelar-nos como iria ultrapassar o problema de a prostituição ser ilegalizada por Salazar em 1962/63.

Acabando com as matriculadas, (até àquela data a prática da profissão do sexo era legal, desde que as matriculadas fizessem inspeções médicas e tivessem a prova na sua cédula), Alice, não vê, outra saída para manter o negócio do sexo, que não seja tornar o bordel numa “casa de passe” clandestina.

É nesta passagem à clandestinidade que melhor ficamos a conhecer o carácter da Madame Alice, “A Louca”. Uma mulher que transgrediu condutas, um misto de força, coragem, sensualidade, sabedoria, beleza e poder, o que permite a esta meretriz ser dona do seu próprio destino, com uma moral baseada na aprendizagem da vida: o sofrimento da sobrevivência, a ideologia contra as medidas de Oliveira Salazar, a vontade de viver e as suas liberdades caseiras entregues aos prazeres carnais!

Nesta peça Alice revela com fascínio intrigantes histórias de vida, de encontros e desencontros, e de sentimentos e vontades múltiplas.

 

Sussurra-nos, a história da família, da antiga madame, a sua própria história. Uma prostituta que nos seus anos de apogeu se tornou gestora de um bordel e que comandava outras matriculadas entregues aos seus cuidados.

Sofia Portugal e Francisco Beatriz, oferecem ao público, de forma alternada e muito bem, o retrato desta mulher ousada e insinuante.

Junto com outros “Botõezinhos” e futuras meretrizes, presentes na Pensão do Amor, fomos surpreendidos por Madame Alice, sempre com expressiva alegria e sorriso aberto, a encaminhar-nos para a sua sala mais secreta, não sem antes agradecer a nossa visita. A porta da “Sala Secreta” abriu-se, a clandestinidade manteve-se e fomos entregues aos cuidados do Chef Guilherme Spalk. Madame Alice invitou-nos a sentar num balcão especial e convidou o “Chef do Pelotão Spalk”, a compor o balcão onde se encontravam não as principais meninas do salão e/ou donas de bordel, mas os principais donos dos tachos do “Pelotão Spalk”. Impondo a condição de só servirem o tentador repasto, depois dos “Botõezinhos” prometerem primeiro “Fechar as Pernas E Abrir a Boca”, incumbiu Guilherme Spalk da tarefa de fiscalizar a missão do ato: comer com volúpia.

UM ORGASMO GASTRONÓMICO: “FECHA AS PERNAS E ABRE A BOCA”.

Nesta fase, o Chef Guilherme e seu Pelotão Spalk, sentiram-se à vontade para mostrar o que eles realmente são e o que sempre tiveram vontade de mostrar! Ousar e soltar toda a sua criatividade com criações bem harmonizadas com o que há de mais imprevisível no mundo da gastronomia.

Foquei-me no jantar. Um balcão preparado com requinte, a luminosidade cálida a surpreender os comensais famintos, os murmúrios dos “Botõezinhos” a inspirarem os mais tímidos. A harmonização dos pratos, os copos, talheres e o cardápio que compõe o Menu da Sala Secreta.

Serviram em copo arredondado um espumante fresco para felicitar os préstimos da meretriz.  Brindemos, então, à “Madame Alice”.

Logo após tão calorosa recepção e para não nos dar tempo de alimentar sentimentos ou emoções negativas, é-nos apresentado o “Pelotão Spalk”.

Com elegância e impecavelmente vestidos, o António, o Miguel e a Joana.

Compromissos assumidos e apresentações feitas, a degustação inicia com um kit de maquilhagem comestível, harmonizado por um Luís Pato Blanc des Blancs a embaciar os copos de tão fresco que estava. Divinal.

Chegam ao balcão os Preliminares: Queijo de Azeitão em forma de creme, manteiga de açafrão e pinhão torrado em forma de blush e mexilhão à espanhola em forma de baton. É assim que inicia o resto desta história.

Os sentimentos dúbios que começo a nutrir pelo menu “Fecha as Pernas e Abre a Boca”, despertam os meus sentidos para um mundo novo e fazem-me experimentar emoções com os ingredientes ditos afrodisíacos a trocar “ais” e “uis” por “hums”! É aqui que começam os sussurros dos comensais a tentar adivinhar os ingredientes, despertam suspiros e comentários animados.

A despertar os sentidos chega-nos uma pequena caixa recheada com 3 miniaturas. Um delicioso convite para se degustar enquanto a refeição principal não chega. Leves e apetitosos, estavam em completa harmonia Foie Gras, Ceviche de Corvina com Broa e Churro com Aioli de Alecrim.

Para terminar a degustação das entradas chega-nos Beringela frita com sementes de papoila, regada com molho miso, açúcar e ovo.

Uma boa entrada é indispensável e tem a função de abrir o apetite para a refeição! Foi o convite para o prato principal de peixe: Fogo de Paixão. Uma mescla de “Sashimi de Atum com Sangue de Touro (uma harmonização de molho de beterraba assada e sake), acompanhado de Pickles de Ruibarbo e harmonizado com Ribeiro Santo Automático – Vinho Branco do Dão.

De sabor em sabor somos convidados a saborear um “Beijo Francês”. Um linguado em cama de puré de espinafres, ostra fumada, salicórnia e polvilhado por pó de chá verde. Desmontei sem pestanejar.

O encontro com o “Pelotão Spalk” tem destas coisas, não se janta apenas. Prova-se, saboreia-se, inspira-se. Todos os nossos sentidos sorvem alguma coisa. Até acomodam umas colheradas de um caldo “A Boca Naquilo” que nos revela uma mescla de sabores.

Cogumelos, combinados com legumes, cebola, miso, pack choi e gema de ovo, a limpar o gosto e a preparar-nos para outras degustações.

Depois desta amostra do Chef Guilherme Spalk, um jovem chef com um percurso dedicado à gastronomia de excelência, sentimos que se criaram cumplicidades gastronómicas com quem nos preparou a comida.

É neste momento que desejamos estender as cumplicidades ao Desejo Carnal e viver uma experiência completa com um prato de carne à base de Faisão que se faz acompanhar de amêndoa, bolbo de aipo e milho doce. Harmonizado com Mau Feitio do Douro.

A textura macia da carne é deliciosa e liga muito bem com a amêndoa e o milho, delicadamente perfumado com o aipo, agradando aos mais diversos paladares. Bem-vindos, quilos à mais!

Findos os pratos principais, é chegado o momento de se receber Aquilo na Mão, não sem antes nos vendarem os olhos!

“Um autêntico orgasmo que eu jamais provei igual”.

 Ergui o rosto e sorri… em seguida levantei a mão. Com destreza encaixei a ante sobremesa entre os lábios para logo a mergulhar na boca, poisar na língua e ao mesmo tempo mordiscar!!!

Sussurrei baixinho…hum, hum, hum…submergido pelas sensações. Era demasiado intenso, demasiado poderoso, sentir a ante sobremesa na mão de olhos vendados. Demasiado em todos os sentidos.

Uma textura de mousse envolvendo geleia de amora, morango e figo seco escorreu lentamente entre os dedos resultando num creme que mordisquei com volúpia notória. Num arrependimento fingido…lambi os resquícios da ante sobremesa na mão. Que modos os meus!!! Mas é delicioso. O doce pecado ao alcance da minha boca. Valha-me nossa senhora das calorias.

Os aromas que se fundiram fizeram com que se libertasse toda a adrenalina e sentimentos acumulados. Não resisti ao toque dos ingredientes nos lábios, com os olhos vendados. As palavras tornaram-se inúteis. Dando continuação ao pecado da gula, preparou-se terreno para um doce orgasmo de sobremesa. Os momentos importantes exigem a nossa maior dedicação.

Sobrevivi ao maremoto de desejos. Desfrutar sem complicar. Gosto disso!

Mas não nos deram descanso e apresentaram logo de seguida um delicioso “pecado”, o “Orgasmo”. Arregalei os olhos de surpresa! Esta invasão inesperada de chocolate, doce de leite e limão intensificou-me o gosto/prazer… Não foi possível recusar o que quer que fosse. Esbocei um breve e leve sorriso de satisfação e saboreei o gosto doce.

Deleitei-me com a voluptuosa sobremesa, harmonizada com um Porto LVB.

A sobremesa “Orgasmo”, uma combinação perfeita campeã de audiência, declara o fim do meu encontro com o “Pelotão Spalk”. Nesta casa de satisfação de desejos é impossível resistir às tentações.

A terminar serviram um café de balão acompanhado por “mignardises”.

Adorei cada pormenor, cada mignardise e o aroma caseiro do café de balão a garantir uma chávena de café original. Bastava o aroma para se perceber que se tratava de um néctar precioso.

O repasto decorreu com tranquilidade, o público, ou seja, os “Botõezinhos”, alimentaram a história com gula, num belo momento de degustação da Ementa Fecha as Pernas e Abre a Boca”, assinada pelo Chef Guilherme Spalk.

Degustar este orgasmo gastronómico foi crescendo devagar na sucção da boca. Uma deliciosa forma de nos fazer sentir bem por dentro!

Creio que terá particular interesse partilhar o espírito que originou e norteou o abate desta sentada. Na sequência experimentamos uma abertura de convivialidade e uma explosão afetiva de sabores.

A Pensão do Amor, para além de acolher Alice e seus “Botõezinhos”, serviu de inspiração para esta peça, a que poderá assistir até 25 de novembro, em sessões de quarta a domingo, entre as 18h30 e as 21h30.

Cada sessão tem a duração de 25 minutos e os bilhetes custam 6 €, exceto se optar por desmontar o menu do Chef Guilherme Spalk. Esta opção tem o custo de 69€ e uma duração de duas horas.

Uma particularidade a destacar é a oferta aos “Botõezinhos” de uma réplica das cédulas de inspeção como bilhete de entrada a quem assiste a “Alice no País dos Bordéis”.

Agradecimentos:

Créditos Fotográficos: Miguel Pais da Silva aka Miguel Silva

Roger Mor