“PELA INCLUSÃO, SOLIDARIEDADE E NÃO VIOLÊNCIA”

Faço parte da primeira leva do século passado de imigrantes vindos de África. Sou natural de Cabinda e vim para Portugal pós 25 abril e na sequência da problemática (do processo) da descolonização.

Cheguei a Portugal com 12 anos, adquiri nacionalidade portuguesa por naturalização e tenho, por um lado, a experiência africana e, por outro lado, a experiência que fui adquirindo em Portugal, e penso que sou um misto das duas culturas, porque não deixo de amar de igual modo quer Portugal, quer o meu país de origem.

Uma sociedade inclusa, no sentido que defendo, pressupõe compreender toda uma realidade simultaneamente complexa e presente em todos os grupos. Todavia, a maior dificuldade, para alguns, surge quando têm de lidar com a diferença. A relutância que sentem quando se deparam com situações desse tipo revela a fragilidade diante do convívio com a diferença. Por vezes, é o reflexo da falta de conhecimento, uma vez que perante o desconhecido o primeiro impulso é ficar de “pé atrás”, e, na maior parte das vezes, rejeitar.

Assim, o primeiro passo para se aceitar as diferenças dos outros, é conhecer – conhecer para aceitar.

A sociedade inclusa que defendo é uma sociedade para todos, independentemente da origem territorial ou étnica, do sexo, da idade, da religião, da cultura, dos condicionalismos físicos, da raça (em bom rigor raça há só uma – a humana, e curiosamente ao que consta, veio de africa).

Uma sociedade inclusiva que valorize a diversidade humana e fortaleça a aceitação das diferenças individuais. É com ela que se aprende a importância de pertencer, conviver e construir um mundo de oportunidades para todos. Na sociedade inclusa que preconizo todos são cidadãos responsáveis pela qualidade de vida do semelhante, por mais diferente que ele seja, ou pareça ser.

Uma sociedade que não seja só aberta e alcançável a todos os grupos, mas que promova a participação; que acolha e aprecie a diversidade e que tenha como objetivo principal a oferta de oportunidades iguais para todos.

A sociedade inclusa que almejo deve pautar-se pela promoção da igualdade, seja quanto ao género, quanto à nacionalidade, quanto à orientação sexual, garantindo a não discriminação em caso de motivo agravado de saúde, como no caso do HIV-Sida, diabetes, doentes oncológicos, seja, ainda, em função das condições económicas.

É com este espírito de defesa de um Mundo para todos, de uma sociedade onde haja lugar para os “sem” – seja abrigo, seja trabalho, seja papéis (imigrantes não legalizados) – e onde se concretize o combate a todas as formas de discriminação – incluindo de credo, de deficiências, de pessoas idosas, entre outras – que proponho chamar a atenção para as seguintes questões:

A FALTA DE APOIO AOS MAIS VELHOS POR PARTE DA ADMINISTRAÇÃO CENTRAL 

Mostrando assim a injustiça das reformas reduzidas, das ajudas técnicas insuficientes, da informação escassa sobre as poucas possibilidades ainda oferecidas a quem tem tanto de experiência e de vida para dar à nossa sociedade. Amiúde o idoso é discriminado no ambiente familiar, no transporte colectivo, nos bancos, em pequenos ou grandes actos – o motorista que não pára no local indicado, o atendimento incorrecto ao nível da saúde, nas filas de espera. Faltam políticas públicas que assegurem e garantam dignidade a essa faixa da população.

A LEI DA NACIONALIDADE PORTUGUESA 

Regulamenta as condições de entrada, permanência, saída, e afastamento de estrangeiros, toma como princípio a integração dos imigrantes no território nacional, inseri-los do ponto de vista social, económico, cultural.

Mas este papel tem de ser assumido pela dinâmica social, a qual deverá também encontrar soluções para todo esse processo de inclusão social de imigrantes. A Lei é instrumento permite regularizar imigrantes em território nacional.

Tem a sua quota parte de responsabilidade. Nesta senda, é importante ajustar as leis da nacionalidade a uma nova realidade, criar condições que permitam aos que cá se encontram aquilo que para os portugueses no estrangeiro reivindicamos: um estatuto de cidadania. Através da Lei da Nacionalidade, criar condições que favoreçam a plena integração de cidadãos estrangeiros, pondo fim a uma situação injusta e inaceitável que gera marginalização, discriminação e exclusão social.

Muitos daqueles que são considerados estrangeiros, nunca viram, pelos seus olhos e vivência, outro país que não o nosso. Todavia a Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 3 de outubro), mesmo com as alterações recentes (Lei Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho), exclui ainda várias pessoas nascidas em Portugal e que permanecem sem acesso à nacionalidade portuguesa. Acresce o facto de, à discriminação racial, se somarem outros problemas como a precaridade, o desemprego, baixos salários e muitas vezes as políticas de habitação deixam muito a desejar em termos de integração, pois guetizam populações inteiras, o que em nada contribui para erradicar este fenómeno.

Tendo em conta que vivemos num país envelhecido, num continente que está cada vez menos novo, para combater o inverno demográfico vamos ter de contar com os imigrantes e com os seus filhos nascidos em Portugal. Contribuem para a economia e para o crescimento da taxa de natalidade. Lamento que ainda haja “tantas desigualdades, tanta xenofobia e tantos mitos”. É importante refletir e perceber que os imigrantes, os seus filhos nascidos em Portugal e o diálogo entre culturas e toda essa diversidade nos pode acrescentar algo, e nos pode enriquecer e caminhar para comunidades mais inclusivas e mais justas.

DESIGUALDADE NA JUSTIÇA

Numa sociedade sem justiça igual para todos, só prevalece a lei do mais forte!

Reflita-se sobre a morte de Luís Giovani Rodrigues de 21 anos… é um caso que não se sabe quase nada. Apenas que é um jovem estudante cabo-verdiano que faleceu barbaramente espancado. Os media só se interessaram depois da morte, sem atenção mediática mais forte. Muito embora, exista racismo em Portugal, se é um caso racista, não sei.  A ser um caso racista, não coloca a situação pior do que ela já é: a violência brutal de 15 pessoas espancarem um jovem.

Ilhor Homenyuk, cidadão ucraniano violentamente agredido até à morte, no passado dia 12 de março, no aeroporto de Lisboa.

O SEF demorou mais de três horas a comunicar ao MP a morte do cidadão ucraniano nas suas instalações do aeroporto. E levou seis dias a informar a Inspeção-Geral da Administração Interna.

Não sabemos o que se passou, pouco ou nada sabemos do caso, a ser um caso racista, não coloca a situação pior do que ela já é: a violência de agredir violentamente e tirar a vida a um ser humano.

A morte do ator Bruno Candé continua a fazer-se ouvir. Bruno Candé cresceu na Casa Pia de Lisboa, onde começou a fazer teatro, antes de ingressar no Chapitô. Em 2010, entrou na Casa Conveniente, foi assassinado. Segundo algumas testemunhas, o racismo terá estado entre as razões que levaram o seu assassinato, onde dispararam quatro tiros à queima-roupa contra ele. A ser um caso racista, não coloca a situação pior do que ela já é: a violência de tirar a vida a um ser humano. Esperemos que não seja mais um daqueles casos em que a impunidade prevalece.

AS BARREIRAS ARQUITETÓNICAS SOCIAIS, ou de qualquer outra natureza, continuam a não fazer parte integrante dos planeamentos, o que dificulta imenso a vida das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Por isso, defendo, não só, a promoção de um espaço para a diferença, como também o alargamento do ensino especial.

AS TAXAS QUE OS BANCOS COBRAM ÀS PESSOAS COM CONTAS BANCÁRIAS REDUZIDAS

São, a meu ver, completamente imorais, sobretudo em período de crise, onde milhares de famílias se encontram completamente reféns dos seus empréstimos e os bancos continuam a engordar com os seus fabulosos lucros.

PELA IGUALDADE DE GÉNERO E ORIENTAÇÃO SEXUAL

Proponho uma reflexão sobre o mundo em que vivemos, onde ainda há intransigentes que não querem respeitar a igualdade de género, respeitar todas as formas de amar, de trabalhar, de expressar e criar. Este predomínio de atitudes e convenções sociais discriminatórias, leva a que alguns cidadãos marginalizem os demais, só por serem diferentes, dos padrões  normativos de uma sociedade conservadora.

Submetendo-as a intensas pressões para mudarem suas características, são incentivadas a representar modelos e a assumir personagens padronizados sem profundidade. É importante trazer à reflexão a forma como lidamos com a diversidade e todos os níveis de desigualdade – raça (que como já referi, há só uma – a humana), religião, ideologia, origem étnica, aparência, social, orientação sexual, género, entre outras.

Com base neste espírito de “conhecer para aceitar” junte a sua à minha/nossa voz, porque a defesa de um mundo para todos faz parte do meu património genético, de que me orgulho e que procuro honrar.

E aceitar não significa padronizar, mas sim entender que há visões e formas de ser e viver diferentes, e que todas podem conviver entre si respeitosamente. Mas enquanto não chegamos a esse dia, vou continuar esta demanda “até à exaustão”!

Créditos Fotográficos: Pedro Bonnet, Miguel Silva, Alexandre Conceição, Rui Serrano,  Onésimo Costa e Sérgio Morais.